06 julho 2014

Poema

Amar
-Carlos Drummond de Andrade





 Que pode uma criatura senão,
 entre criaturas,
 amar? amar e esquecer,
 amar e malamar, amar,
 desamar, amar?
 sempre, e até de olhos vidrados, amar?

  Que pode, pergunto, o ser amoroso,
 sozinho, em rotação universal, senão
 rodar também, e amar?
 amar o que o mar traz à praia,
 e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
 é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

 Amar solenemente as palmas do deserto,
 o que é entrega ou adoração expectante,
 e amar o inóspito, o áspero,
 um vaso sem flor, um chão de ferro,
 e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

 Este o nosso destino: amor sem conta,
 distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
 doação ilimitada a uma completa ingratidão,
 e na concha vazia do amor a procura medrosa,
 paciente, de mais e mais amor.

 Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
 amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Beijos 
- Marí Amo

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